sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Encontro Três

Realizamos mais um encontro Voz Criativa. Desta vez, tivemos a companhia de Aristides Neto, Marco Leonel Fukuda e Tainara. Os dois primeiros fazem parte da Companhia da Arte ( http://www.companhiadaarte.blogspot.com/ ) e os dois últimos são da equipe de bolsistas da Rádio Universitária FM e cuidam do site da emissora ( http://www.radiouniversitariafm.com.br/ ). Marco e eu fazemos uma ponte entre a Companhia e a Rádio. Nosso intuito com esses encontros é facilitar a descoberta do caminho de acesso à consciência corporal e, portanto, vocal e criar com base nessa consciência.

Contamos com a disponibilidade imediata do Diretor do Museu de Arte da UFC - MAUC, Pedro Eymar, em nos acolher para este e outros encontros. Assim, o auditório do MAUC nos serviu bem na execução dos exercícios e deixamos agendado o próximo encontro que será dia 18 de novembro no mesmo horário deste: 17 às 20 horas, quando nos projetaremos também por outros cantos do museu, observando, criando interações entre o corpo e o espaço, a voz e o espaço.

Afora as referências corporais/vocais, científicas, estéticas e de autoconhecimento que sempre sugestionam estes encontros, contamos mais uma vez com os ensinamentos contidos em O Ator Invisível, de Yoshi Oida, que nos serviu de inspiração geral e também específica, nesse caso no que tange ao uso do capítulo O COMEÇO, quando o autor trata dos Nove Orifícios. Também nos inspirou a frase de Erivan Sales ( ou Erivan Produtos do Morro ), proferida mais cedo durante almoço de confraternização do Quarto Forrainbow em Iparana: "A voz hoje em dia perdeu a força", enquanto narrava um conflito ocorrido na Barraca Biruta por ocasião da presença dos Racionais MCs. Outra inspiração veio da lembrança de Maristela, personagem antiga de Aristides para quem ele dedicava uma voz em falsete. Explicou-me ele que, não podendo mais fazer o falsete, criou a calada Mariinha com o mesmo espírito de Maristela: uma menina pura, de espírito clown, serelepe, romântica.

O JO-HA-KIU DO ATOR INVISÍVEL
O livro de Oida articula-se dentro da tradição do "...teatro clássico japonês ( Nô e Kabuki ), artes marciais, somado ao melhor do teatro ocidental, em que o corpo é fundamento essencial" e nos ajuda a manter um ritual de cuidados em direção à "consciência desperta", a cuidar da parte nossa invisível. Para Yoshi Oida, "...nos seres humanos existe uma superfície visível e uma grande porção escondida por dentro. Aquilo que vemos é sustentado por aquilo que não vemos...". Entre outros pontos importantes deste guia, ressaltamos os cuidados com os Nove Orifícios ( deixamos temporariamente de lado apenas os olhos e o que permite a saída de água ) e procuramos entender o JO-HA-KIU. O autor lança mão do ensinamento de mais de seiscentos anos de Zeami, mestre japonês de nô, para nos dizer que: "Todo fenômeno no universo se desenvolve através de uma certa progressão. Mesmo o canto de um pássaro ou o zunido de um inseto seguem essa progressão. Isto se chama jo-ha-kiu". Outro exercício nosso foi abrir por acaso o referido livro e ler a primeira frase que os olhos encontrassem. Coube ao Marco Leonel Fukuda a reabertura deste manual e ler o mesmo trecho que ele mesmo havia aberto e lido no primeiro encontro, o que me levou a considerar o efeito sincrônico das palavras reencontradas, decerto reencantadas entre nós. Do capítulo A Interpretação, voltamos então para o ítem sobre o Tempo, que diz da importância do momento inicial, no caso de uma peça, mas que pode servir ao começo de outras ações não-teatrais. Para o nosso autor, "Encontrar um começo forte permite ao jo-ha-kiu de toda peça se desenvolver de maneira vigorosa". Ele acrescenta que "Por estranho que pareça, descobri que encontrar um bom final nos ajuda a encontrar um bom começo".

"A VOZ HOJE EM DIA PERDEU FORÇA"
Para quem se preparava para facilitar um encontro em torno do tema da voz, escutar essa frase gerou certo incômodo e lançou um desafio. Comecei a refletir, a partir da história contada por Erivan, sobre por que e em que circunstâncias percebemos o enfraquecimento da voz e o que fazer para mudar esse fato, como buscar sua força. ( Interessante que justo nesses dias me preparo para cantar FORÇA, música de Pingo de Fortaleza e José Mapurunga, que fala do caráter humano, selvagem e ancestral da força e que finaliza com "ter força é poder controlar esse bicho difícil de amansar" ). Na situação narrada pelo nosso rapper, no meio da multidão que aguardava indócil o show dos Racionais MCs, em meio ao alvoroço vocal que se deu, o que pareceu tiroteio para uns, para outros soou como o grito que controla a confusão e traduz um silêncio e uma paz desejadas. Busquei nessa compreensão complexa, e que me parece justa para o momento, suporte para conduzir a oficina desse dia 4 de novembro de 2011.

MARISTELA/MARIINHA
Tenho afeição toda especial por Maristela desde quando a vi pela primeira vez, assim como tenho afeição especial pela pessoa e pelo ator e também palhaço Aristides Neto, agora também músico, pois enamorou-se pela cuíca e busca seu jo-ha-kiu nas sonoridades e nos rítmos. Desde o final da década de 1980 nos vinculamos através da cena teatral e da vida. Juntos pela primeira vez na cena teatral, como apaixonada e arlequim, personagens da Comedia dell´arte, sob a direção de Maurice Durozier e George Bigot, encantamos-nos com nossa conjunta ação cênica e com o estado, que nos mantinha em cena e nos permitia desenvolver o jo-ha-kiu. No contexto amplo de nossa convivência fora e na cena, emergia aos meus olhos Maristela, percebendo e usufruindo da grandeza e do encanto de sua presença. Confesso que a intensidade com que gostava de vê-la atuar corporalmente correspondia menos à sua expressão vocal, porém naquela época não sabia bem como explicar o incômodo que sentia ao ouvir seus agudos e um certo arranhado na voz. Hoje me parece mais claro que Aristides forçasse sua voz para fazer Maristela falar, levando-a, após muitos esforços, a ficar muda. Como artista criativo, Aristides criou Mariinha, dando vazão à linguagem corporal junto com seus conhecimentos de mímica e outros, redimensionando, para si e para suas personagens, o uso de sua voz.

FACILITAR NEM SEMPRE É TAREFA FÁCIL
Facilitar não é nada fácil, principalmente quando criamos expectativas e alimentamos desejos em torno da recepção de nossos planos e projetos. Imaginava realizar esse encontro com mais pessoas, por perceber que algumas vezes a presença de mais gente ajuda a 'sentir' que o convite ao encontro 'funcionou'. Entretanto, me dou conta a cada momento que conduzir um trabalho com um número menor de pessoas demanda atenção maior em relação a cada um, então temos a possibilidade de nos deter mais nas individualidades, dar mais atenção as singularidades, escutar mais o que cada um tem a dizer, e de ouvir a repercussão do dito. E até dos não ditos que chegam acolhendo, complementando os dizeres. Desse contexto, emergem as linhas com as quais tecemos o trabalho. Foi assim hoje no MAUC. Pensava eu que abreviaríamos o encontro e, quando nos demos conta, já era hora de acabar. Diferente das vezes passadas, pois costumo encurtar a conversa dando mais espaço aos exercícios corporais, decidi alternar os momentos de troca de impressões e de exercícios. Assim, alternamos muitas vezes a posição corporal entre as posições deitada, em pé e sentada, sempre com a idéia de buscar um corpo e uma voz ativas, distanciados do que chamo de 'comunicação sedentária', de corpo e voz sedentários, mantidos pela atenção e pela força da presença.

Um comentário:

  1. Essa oficina, para mim, ultrapassou as expectativas iniciais. Vi que a consciência do corpo e da energia que circula dentro dele me faz ir além das técnicas vocais e encontrar uma harmonia na voz.
    É difícil vencer a timidez, mas acho que dei o melhor de mim.
    Espero ansiosa pelo próximo encontro.
    Obrigada Marta.

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